O Teste da Paragem

Desde que se vulgarizou o conhecido e admirado teste da paragem, quase já não há caçador que não se possa vangloriar de ter um cão ou cachorro que aos dois meses já se amarrava.

Maravilhado com tanta qualidade, principalmente quando os seus donos se apresentam, desesperados, à procura de cão já a caçar, costumo eu perguntar, fingindo a mais santa inocência:

Então, e como é que ele se porta? Caça bem?... Sobre o enigma miraculoso da paragem, nem uma palavra! para não desconfiarem que o sopro da ciência que os ilumina também por aqui tinha passado e deixado marcas.

Bem...! Sabe...! Eu...! – rodeiam como podem.

Como não têm arte de me confundir, fica-se a saber que não. Nadinha mesmo! Mas na paragem, mais do que uma realidade, são já um fenómeno de precocidade.

A primeira vez que vi o tão celebrado teste, foi em 1992, durante as jornadas do Perdigueiro Português, em Vale de Santarém, na Estação Zootécnica Nacional, através de uma projecção vídeo num ecrã gigante. Foi seu apresentador um ilustre convidado espanhol: caçador, criador, e suponho que médico veterinário. Foi uma revelação que deixou a assistência maravilhada e rendida. Eu nem uma coisa nem outra. Mas, em contrapartida, o mais surpreendido e intrigado, tão somente por supor ter sido eu o inspirador daquele feito: - É que vinte anos antes, em 1972, tinha eu feito precisamente aquela demonstração, tirado e distribuído fotografias, e relatado o facto nos extintos jornais “Caça e Pesca”, “Mundo Canino” e ainda, suponho, no “Jornal do Caçador”. Um desses artigos, referenciando o facto, está transcrito no livro “perdigueiro Português” de Dr. Jorge Rodrigues, página 146, linha 27 e seguintes. Admitir, portanto, que o nosso Hermano, aqui do lado, tivesse lido e se tivesse interessado pelo assunto, nada mais natural. Mas admito, agora, sinceramente que nem isso. De qualquer das maneiras, e até provas em contrário, não creio que, antes de 1973, alguém tenha lido, falado, escrito, ou de qualquer maneira publicitado tal facto. Por isso, se o feito dessa descoberta ou invenção for merecedor de estátua, mesmo que seja de teia de aranha ou de baba de sapo, não será devida ao ilustre e douto espanhol, mas a um modesto e desconhecido caçador português.

Só que quarenta anos antes, já a minha mãe, com um papel ”amarfanhado” atado na ponta de um fio, fazia precisamente a mesma coisa com os gatitos, que se imobilizavam, para, depois, formarem o salto, rolando e cabriolando, de seguida, com ele nas patas, como se fosse uma bola de ping-pong, para nos entreter a mim e aos rabugentos dos meus irmãos.

Foram as reminiscências desta saudosa meninice que me levaram, inconscientemente, a fazer com os cachorros o que tinha visto fazer com os gatitos, resultando no que toda a gente já sabe, faltando apenas realçar, agora, o seguinte:

Primeiro, esta imobilização nada tem a ver com a verdadeira paragem no monte perante os odores da caça. Mais não será do que uma agradável e emocionante antevisão do que ele poderá vir a fazer, se lhe forem criadas condições, e nunca um selo de garantia do que quer seja. Acho, por isso, deprimente a facilidade com que o caçador se compraz em se enganar a si próprio e aos outros.

Segundo, em condições normais, de uma maneira geral, todo o cachorro reage positivamente a essa solicitação.

Simplesmente, de vez em quando, ou quando menos se espera, vão aparecendo uns sornas desajeitados e irritantes que à segunda, à quarta..., à sexta vez, ficam, pasmados, a olhar para nós, como que para se certificarem se estamos a gozar ou se estamos avariados do juízo, e não mais vão no engodo, por mais que insistamos. Se alguém viver na ambição ou ganância de ainda vir a ter um “fenómeno” para deslumbrar os amigos ou infernizar de inveja e desalento os rivais, é nestes últimos que o deve procurar, e não nos outros que se deixam continuamente enganar, até à exaustão, tal como o pobre touro que, tendo o carrasco, mesmo à frente dos olhos e dos chifres, continua a investir contra o inofensivo farrapinho.

Para que ninguém me julgue movido por segundas e veladas intenções, devo frisar que nestes últimos vinte e cinco anos, ainda muito antes, portanto, de o assunto se ter vulgarizado, em coerência com aquilo que penso, não há ninguém, absolutamente ninguém, que alguma vez me tenha visto repetir o teste, mesmo sabendo eu ser este o melhor meio de promover a venda de qualquer cachorro, ainda que não tenham mais nada que os recomendem.

È verdade que nunca deixei de recorrer a ele, mas apenas em situações pontuais, de modo muito particular, para não dizer quase em segredo, e dentro das perspectivas que referi, pois o maior número possível dos meus cães têm sido seleccionados dentro desse critério, para além de outros mais objectivos, claro está!

Seia, Maio de 2007
Moisés do Nascimento Costa